sábado, 10 de setembro de 2011

gente diferenciada...

O adjetivo que mais escuto sobre morar na Europa é “chique”, mesmo que eu more nos confins da Europa, na Espanha profunda, não importa: é chique. Bom, quando eu morava em Buenos Aires escutava a mesma coisa. Parece que qualquer lugar é chique fora do Brasil. Só que, vindo de São Paulo para Múrcia, com todo o contraste que isso implica, eu cheguei à conclusão que chique mesmo é morar em São Paulo. Vamos aos fatos:

Tenho um vizinho que tem um Mini Cooper todo bonitinho. Essa carro também sai caro aqui. Só que o cara estaciona na rua. Os prédios não têm estacionamento para todo o mundo, muitos nem sequer têm garagem, então, ou você deixa na rua ou paga estacionamento, que não é barato. Manobrista, então, não existe e nem tem palavra para denominar essa função.

Empregada doméstica aqui é luxo! A maioria das pessoas se vira sozinha mesmo, limpa seu próprio banheiro, lava sua própria louça. Quem pode tem uma faxineira uma vez por semana, quem tem criança se esforça mais para poder pagar os EUR10 a hora (isso em Múrcia) da diarista! E não tem aquela história de ficar dando tudo para a empregada (roupa, comida, etc.). Eu aqui queria servir um lanchinho para a moça que vem faxinar nossa casa a cada 15 dias e fiquei sabendo que isso não se faz. Eu pensei “nossa, que gente mais mão de vaca”, mas me explicaram que funciona de outro jeito, elas são profissionais como quaisquer outros. A minha assistente, por exemplo, conhece o Caribe!

Você paga R$400 em São Paulo por plano de saúde? Isso aqui seria uma fortuna! Quem paga plano de saúde particular (que só cobre consulta, jamais os exames médicos), aqui paga EUR50/60. Uma consulta médica com um especialista sai ao redor de EUR100 (mais barato que meu gineco de São Paulo fora do plano). Uma vez fui fazer uma revisão odontológica em uma clínica particular (não há odontologia pública). Fizeram uma radiografia panorâmica, depois o dentista me chamou, olhou meus dentes e disse que não tinha nada, que eu só precisava fazer uma limpeza. Muito bem. Fui pagar: “quanto é?” “Nada.” “Como assim nada?” Não me cobraram nem a radiografia! Aí marquei a limpeza e, detalhe, também não custava nada! Eles só cobram se fazem algum trabalho pesado na sua boca. Quanto a gente paga por uma limpeza bucal em São Paulo?

Nos prédios em São Paulo, há faxineiros todos os dias, vários porteiros, além do zelador. Aqui, alguns poucos prédios têm porteiros e só ficam algumas horas do dia. A grande maioria nem tem isso. Para tirar o lixo de casa, você pega a sua própria sacola de lixo, amarra, desce o elevador/escada, e se dirige até a esquina, onde há contêneires (plástico, papel, orgânico, vidro) e lá você joga o seu lixo. Ninguém passa para recolhê-lo. Quem é chique, então?

Uma coisa que chama a atenção dos espanhóis que estiveram em São Paulo é, primeiro, a quantidade de segurança que tem nas portas dos restaurantes, lojas, escolas, etc e, segundo, a quantidade de gente trabalhando em algumas lojas. Ou seja, toda aquela mão de obra ociosa. No Brasil estamos acostumados a sermos atendidos, quando não mimados com cafezinho na loja (fora o manobrista). Aqui na Espanha o atendimento não é ruim, muito pelo contrário. Só que os vendedores não querem tratar a gente como reis/rainhas, quando todo o mundo tem que trabalhar bastante para pagar pelo que compra. É mais, alguns espanhóis me disseram que essa “puxa-saquice” disfarçada de bom atendimento incomoda. É que nós estamos acostumados a ser chiques no Brasil, não é mesmo?

Chique também é pagar tudo mais caro e achar que é barato! Isso sim que é chique! Várias vezes eu e meus amigos começamos a comparar os preços das coisas e a conclusão é sempre a mesma: como pode ser uma coisa dessas? Eu não encontro explicação! Lógico, eu comparo Múrcia, que está no interior da Espanha, com São Paulo, megalópole. Madri com certeza seria mais caro, mas mesmo assim, mesmo em Madri, um jantar em um restaurante bacana para duas pessoas não sai a fortuna que sai em São Paulo, os móveis da Ikea (que a Tok&Stok tenta copiar tão bem, mas tão bem que cobram até 200% mais em produtos similares) têm preços parecidos em toda Espanha, uma cerveja com uns petiscos, enfim, aquelas coisas simples, aqui é mais barato ou, pelo menos o mesmo preço. Sim, depende de onde você vai em São Paulo e aqui, lógico, mas falo de lugares similares, lugares onde eu vou com o meu “ordenado” de autônoma. Sem falar das passagens aéreas para viajar dentro da Europa, das roupas, dos eletrônicos, etc. Eu até entendo que quando o brasileiro esteja no exterior termine comprando tanta coisa, mas por que será que ninguém se manifesta para pagar menos? Quando viajo por aqui, as pessoas dizem “nossa, que chique”, mas na verdade o que é chique é viajar dentro do Brasil.

Na Europa, para ser chique tem que ter dinheiro de verdade. Aliás, conversando com um amigo querido outro dia, ele me contou de um amigo dele que morou na Alemanha e acabou voltado para o Brasil porque não suportou a igualdade de classes. Disse meu amigo que dizia o cara: “eu aqui trabalho muito, mas o rapaz da limpeza pode ter as mesmas coisas que eu”. Pois é, aqui para passar por chique não dá para ser qualquer um, não.

O que é engraçado é que São Paulo está cheia de gente “chique” que diz amar a Europa, só que aqui sinônimo de cidade boa e desenvolvida é transporte público de qualidade. O pior é quando essas mesmas pessoas (que em São Paulo não tomam ônibus nem metrô) tentam boicotar aqueles que, sim, querem desenvolver a cidade. Viva a “gente diferenciada”!

Esse texto foi retirado de um blog que eu amo, flanancias...Serve para pensar, nao?

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